24.5.16

ROSA DESBOTADO

Ou a última semana do Giro 2016 nos traz grandes espectáculos, ou - tal como prevejo - esta edição vai ficar marcada pelo desencanto.
Na verdade, bastava olhar para o traçado para o perceber. Mas, infelizmente, os organizadores das grandes provas insistem em apostar num modelo que, indo provavelmente de encontro ao desejo da maioria dos ciclistas, esbarra no interesse do espectador apaixonado pelos grandes duelos na alta montanha - logo, no interesse das audiências, dos patrocínios, e em tudo o que permite aos ciclistas deste nível viverem com salários bem acima do comum mortal.
Olhamos para o percurso do Giro e, se descontarmos a crono-escalada, vemos uma (eu não me enganei, uma!!) chegada em contagem de 1ª categoria ou extra. Pode argumentar-se que há muita montanha, muitas subidas, muita dureza, passagens acima dos 1500 metros de altitude, etc. Assim, não faziam falta, pois montanhas das que fazem efectivamente diferenças (as das chegadas), não as vemos. Ou, pelo menos, não as vemos no número que era habitual na prova italiana, e que lhe conferia momentos de grande beleza e espectacularidade - e tenho de recordar com saudade alguns traçados do tempo de Angelo Zomegan, que tanta celeuma originaram entre os participantes, mas que tantos adeptos cativaram para o Giro.
Também é verdade que uma grande volta com poucas (neste caso quase nenhumas) chegadas em alto, permite a um leque mais alargado de ciclistas discutir a vitória final - prova disso a camisola rosa de Steven Kruijswijk. É saudável. É desportivismo. É magnânimo. Mas não é bem isso que a maioria dos adeptos quer.
Já era altura de perceber que uma montanha, por muito dura que seja, colocada a 20 kms da chegada, faz com que as grandes estrelas se resguardem. Ou, se não o fizerem, verão o seu esforço diluído pelas recuperações da descida consequente. Como tal, o a montanha coincide com a chegada, ou não temos espectáculo. É simples de entender, mas nem sempre de levar à prática.
Adoro ciclismo. E não vejo porque todas as grandes voltas pareçam pretender evitar ser suportadas pelo modelo tradicional, que me levou a amar esta modalidade: etapas de sprint na primeira semana, e no último dia, um ou dois contra-relógios, uma ou duas etapas de transição, e cinco ou seis etapas de alta montanha, das quais, quatro ou cinco com chegada em alto (e quando digo alto, digo 1ª categoria, ou categoria extra).
Invenções, etapas assim-assim, montanhas a 20 kms do fim, pequenas e inocentes subidas, etc, etc, são conceitos que não se enquadram num ciclismo tão táctico e tão profissional como o do presente. 
Os organizadores não podem simplesmente esperar que sejam os ciclistas ou as equipas a "fazer" a prova. Há que forçar momentos de espectáculo, e esses, quer se queira quer não, são fundamentalmente os das chegadas em alto - em que o espectáculo surge sempre, nem que seja por eliminação de alguns.
Fica a lição para a Volta a Portugal - para a qual já foi anunciada a ausência da Torre em final de etapa.


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